Idosas ocupam prefeitura durante 10 meses para conseguir centro de apoio
A Espanha vive um desafio que o Brasil deverá enfrentar nos próximos anos: o envelhecimento acelerado da população. As pessoas vivem mais, e isso faz com que os governos precisem criar novos serviços para dar atenção a esta população.
Em Rianxo, no norte do país, um grupo de idosas resolveu cobrar a prefeitura para que construísse um centro de dia, pois a cidade não tinha nenhum. Ali vivem cerca de 12 mil moradores, dos quais 3.000 tem mais de 65 anos.
Este centro de apoio é um espaço onde os idosos podem passar o dia em atividades de lazer, ao lado de enfermeiras e auxiliares que oferecem cuidados. É uma alternativa para pessoas mais velhas que vivem com a família, mas que não podem ou não querem ficar sozinhas enquanto os parentes trabalham.
Sem o centro de dia em Rianxo, a única opção era ir a espaços similares em cidades vizinhas, que ficam a mais de uma hora de viagem.
“Não queríamos que nossos filhos tivessem de deixar o emprego para cuidar de nós”, conta Leonor Lesende, uma das integrantes do movimento. “Então, resolvemos ir à luta”.
Segundo elas, os políticos locais prometiam construir o centro, mas eleição após eleição nada era feito.
A primeira ação do grupo foi fazer um abaixo assinado, que reuniu 2.800 nomes. Em seguida, realizaram protestos nas ruas da cidade, mas sem muito resultado. Então, em junho de 2017, um grupo de senhoras resolveu ocupar o salão principal da prefeitura da cidade, ao lado do gabinete do prefeito.
“A ideia surgiu em uma reunião. No protesto seguinte, eu disse às pessoas que estava disposta a ocupar e perguntei quem iria comigo. Todos levantaram a mão”, lembra Maria José Comojo, líder do grupo, conhecida como Chechê.
A ocupação durou exatos 314 dias. Primeiro, eram feitos turnos de meia hora, que foram sendo ampliados até chegar à divisão de manhã, tarde e noite. De dia, entre 50 e 80 pessoas ficavam na sala. À noite, ao menos duas pessoas permaneciam acampadas. Os protestos nas ruas também foram mantidos.
“A maioria das ativistas eram mulheres. São elas que geralmente ajudam a cuidar dos filhos e dos idosos. Houve homens também, mas muito menos”, lembra Chechê. Mesmo durante a ocupação, as mulheres não deixaram seus afazeres domésticos, e alternavam o cuidado da casa com o turno na prefeitura.
Os primeiros meses foram de tensão, pois membros do governo pressionavam pelo fim do movimento. Para passar o tempo, as ativistas jogavam cartas, faziam caça-palavras e bingos. “Antes de dormir, ficávamos lembrando de músicas antigas. As pessoas mais velhas do que nós perguntavam: ‘vocês se lembram desta música?’ e começavam a cantar”, recorda Leonor.
Logo veio o calor de agosto, que trouxe incômodo, pois a sala ficava abafada. Os meses avançaram e chegou o frio de dezembro. Na noite de Natal, foi improvisada uma ceia. “No inicio, ficaram só dois casais. Depois vieram mais companheiros, comemos juntos e estivemos bem. Foi uma experiência bonita”, diz Leonor.
A ocupação ainda duraria mais quatro meses, até que a prefeitura e o governo regional, a Xunta de Galícia, chegassem a um acordo para dividir os custos e comprar um espaço que será transformado em um centro de dia. O lugar, chamado Rianxinho, pertence a uma ordem religiosa, foi construído no século 18 e custará 1,6 milhão de euros (cerca de R$ 7,5 milhões).
“O espaço terá capacidade para 200 pessoas, um amplo jardim e precisará de poucas alterações para se tornar um centro de dia”, detalha o prefeito Adolfo Muiños, que apoiou a campanha das senhoras. “Respeitamos 100% a decisão de fazer o protesto aqui, pois a reivindicação deles era justa”, diz ele.
A construção de mais centros de dia pode facilitar a vida de muitas famílias e aumentar a qualidade de vida dos idosos, inclusive a fazer com que eles fiquem menos sós. Chechê lembra do caso de um homem que vivia sozinho em casa e convivia pouco com outras pessoas. Ele morreu e seu corpo só foi encontrado seis meses depois. “A tecnologia é ótima, mas não queremos só aparelhos para nos comunicarmos. Queremos estar juntos e com os nossos”, defende.