Governos gerenciam transporte na pandemia da melhor forma que podem, avalia representante do BID
Frente às condições que tinham, os governos locais da América Latina conseguiram gerenciar o transporte público da melhor maneira possível em meio à pandemia de coronavírus, avalia Morgan Doyle, representante do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) no Brasil.
Os sistemas de ônibus, trens e metrô tentam operar de maneira segura e reduzir o risco de contágio, mas cenas de lotação acima do recomendável são comuns em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
Uma pesquisa do banco, feita em nove capitais da América Latina, mostrou que 8% dos passageiros não pretendem voltar a usar o transporte público após a pandemia. O BID oferece empréstimos para que os governos possam melhorar os serviços públicos.
Doyle atua no BID desde 1997. Foi representante da instituição no Equador e no Uruguai e assumiu o escritório no Brasil em março. Ele respondeu às questões do blog por email.
Como avalia a ação dos governos nas cidades da América Latina?
As cidades vivenciaram diferentes níveis de restrição de acesso em diferentes momentos. De modo geral, na América Latina, uma grande parcela da população depende do transporte público. Com isso, é praticamente impossível adotar uma paralisação completa dos transportes, pois isso inviabilizaria o funcionamento dos serviços essenciais.
No entanto, diante da situação de pandemia e do fechamento de atividades pelos governos locais, houve uma queda muito intensa na demanda por transporte público. Quem tinha condição de usar o veículo particular acabou preferindo esse meio. Como resultado, a oferta do serviço ficou bastante penalizada, já que é dependente das tarifas para manter a operação, e em alguns momentos, certos ajustes foram necessários para atender a população.
A situação é inédita, e os governos da América Latina agiram, muitas vezes sem um protocolo muito claro, adaptando medidas tomadas em países que haviam vivenciado a pandemia com poucas semanas de antecedência e com situações fiscais e operacionais diferentes, e muitas vezes subsidiados.
Sem dotação orçamentária específica para o transporte público, é muito difícil ofertar o serviço com qualidade. Assim como quase todas as cidades da América Latina, o transporte público do Brasil depende em grande medida do que se arrecada com o passageiro pagante.
Considero que, diante do contexto de pandemia e da realidade do transporte público no Brasil e na América Latina, as medidas tomadas foram as melhores possíveis diante da realidade local e das informações disponíveis.
Os governos terão condições de manter a qualidade e o baixo risco de contaminação no transporte mesmo com queda nas receitas?
O grau de incerteza sobre a continuidade da situação de pandemia, diante do risco de uma segunda onda de contágios, demanda ações mais estruturadas por parte dos governos.
As operações de transporte público com segurança e qualidade são custosas, demandando aumento na oferta de veículos para manter uma baixa taxa de ocupação e operações especiais para desinfecção, que incluem maquinário para assepsia e equipamentos de monitoramento da população.
Essa nova realidade já acarreta custos adicionais para a manutenção dos sistemas, o que é agravado pela queda na demanda.
O modelo baseado no custeio pela tarifa já se mostrava insustentável – as manifestações de 2013 no Brasil foram um indicativo do declínio desse modelo- e essa pode ser uma oportunidade para novos modos de viabilizar o transporte, tornando até mesmo mais sustentável, não apenas ambientalmente, mas nas esferas sociais e econômicas também. Discussões sobre a necessidade de investimento de toda a sociedade para manter o transporte público de excelência são cada vez mais importantes.
O BID tem planos de oferecer linhas de crédito ou outros auxílios para os transportes?
Desde o início da pandemia temos atuado junto aos estados e municípios com os quais temos operações em andamento, apresentado possibilidades de apoiar, dentro dos contratos vigentes, realocações de recursos para enfrentar a crise.
Temos atuado na formulação de novos procedimentos e no uso intensivo de tecnologia vinculada ao transporte público, para tornar as operações mais seguras e diminuir o impacto da queda da demanda.
Com relação a crédito, já estávamos construindo um novo tipo de operação com bancos parceiros para disponibilizar recursos para melhoria de infraestrutura de transportes. Esse tipo de operação vai facilitar o acesso dos municípios, principalmente os menores, a um crédito mais barato e a conseguir realizar projetos de maior qualidade.
Também temos apoiado o Governo Federal na formatação de novas operações para garantir crédito aos municípios. A dimensão e diversidade do território brasileiro nos traz diversos desafios e oportunidades.
Quais?
Não são todos os municípios que têm condição de ter leitos de UTI e hospitais. Para esses locais, o acesso aos polos regionais, onde tais serviços existem, é condição essencial. Nesses casos o investimento na infraestrutura de transportes, embora não diretamente relacionada ao transporte público ou à saúde, são essenciais para garantir o atendimento da população.
Esse tipo de ação tem como bônus o fato de ser um dos motores para o crescimento econômico, atuando tanto na geração de emprego – gerando renda – quanto no aumento da competitividade e redução de custos de produtores, empresas e indústrias. A cada US$ 1 bilhão de dólares investido em manutenção de rodovias são gerados de 250 mil a 500 mil empregos.
O BID tem projetos para facilitar o uso de meios de deslocamento como caminhada e bicicleta?
Todas as operações urbanas de transporte do banco têm como premissa que as intervenções sejam de parede a parede –não só no pavimento, mas nas áreas para pedestres e ciclistas também, incluindo intervenções de drenagem.
Um caso interessante ocorreu na operação de empréstimo do Ceará, no qual foi identificado que a população não tinha acesso a locais para prática de exercícios, e ainda utilizava muito transporte não motorizado para deslocamentos diários. Ocorriam riscos de acidentes ao usar acostamentos, inclusive na região metropolitana de Fortaleza.
Com o intuito de aumentar a segurança viária, parte das intervenções incluíram áreas de ciclovias, que passaram a ser utilizadas pela população para caminhada e o uso de veículos não motorizados.
Em Curitiba, estamos propondo que as estações de transporte público sejam polos multimodais, assim os usuários poderão integrar os serviços de ônibus e meios não motorizados, com pagamento em uma plataforma unificada e proporcionando ambientes confortáveis aos pedestres e ciclistas.
Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, a rua 14 de Julho passou por uma requalificação que transformou a configuração da via, focando nas pessoas e não nos veículos. Essas mudanças proporcionam ao pedestre mais espaço, calçadas mais largas, acessibilidade e conforto ao caminhar, e se moldam às orientações das autoridades em saúde de evitar as aglomerações e transitar por ambientes arejados, ao ar livre.
Também temos trabalhos com o Ministério do Desenvolvimento Regional para estabelecer padrões de ciclovias e calçadas para os municípios, a fim de fomentar uma mobilidade de baixo carbono.
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